terça-feira, 11 de dezembro de 2012

MANOEL DE OLIVEIRA - RETRATO DE UMA VIDA


Manoel Cândido Pinto de Oliveira nasceu a 11 de Dezembro de 1908, na cidade do Porto.
Ainda jovem foi para a Galiza, onde frequentou um colégio de jesuítas. Admite ter sido sempre mau aluno. Dedicou-se ao atletismo, tendo sido campeão nacional de salto à vara e atleta do elitista Sport Club do Porto. Ainda antes do cinema veio o automobilismo e a vida boémia. Eram habituais as tertúlias no Café Diana, na Póvoa do Varzim, com José Régio, Agustina Bessa-Luís, e outros. Com vinte anos vai para a escola de actores fundada no Porto por Rino Lupo, o cineasta italiano ali radicado, e um dos pioneiros do cinema português de ficção. “Berlim: sinfonia de uma cidade”, documentário vanguardista de Walther Ruttmann, influenciou-o profundamente. Decide, então, fazer um filme inspirado, uma curta-metragem sobre a faina no Rio Douro — “Douro, Faina Fluvial” (1931). Adquiriu entretanto alguma formação técnica nos estúdios Kodak na Alemanha e, mantendo o gosto pela representação, participou como actor no segundo filme sonoro português, “A Canção de Lisboa” (1933), de Cottinelli Telmo, vindo a dizer, mais tarde, não se identificar com aquele estilo cinematográfico. Só em 1942, se aventuraria na ficção como realizador: adaptado do conto “Os Meninos Milionários”, de Rodrigues de Freitas, “Aniki-Bobó”, um enternecedor retrato da infância no cru ambiente neo-realista da Ribeira do Porto, um fracasso comercial, mas com o tempo seria reconhecido como obra-prima. Talvez por isso Oliveira decidiu abandonar o cinema, envolvendo-se nos negócios da família. Só voltaria em 1956 com “O Pintor e a Cidade”. Sobre a sua obra, partilhamos consigo o relato na primeira pessoa, do um dos cineastas mais respeitados no Mundo.
“Esta vontade de ser actor vem dos tempos de quase menino. Eu via o Max Linder, o Turíbio, o Charlot… Achava graça aos cómicos e ia para casa, depois de ver as fitas, e punha-me, antes de me deitar, diante do espelho, a fazer as partes que eles tinham feito. No fundo, o meu desejo era ser realizador. E já mais crescido, dizia a mim mesmo que não era capaz de escrever algo para fazer um filme. Em todo o caso, houve uma altura em que escrevi uma pequena história, mas não fazia confiança nela, nem havia disponibilidades. Até que vi um documentário sobre Berlim, que me entusiasmou muito e, de repente, deu-me a ideia que era aquilo que eu queria fazer e que era capaz de fazer. A partir daí, fiz uma espécie de decalque do documentário de Berlim, e fiz sobre a cidade do Porto. O António Lopes Ribeiro viu o ‘Douro, Faina Fluvial’, achou-o interessante e forçou-me a apresentá-lo no Quinto Congresso Internacional da Crítica. Mas as pessoas estavam habituadas a ver grandes aparatos, e o filme apresentava cargas e descargas no Douro, gente pobre. O Pirandello, que era um dos congressistas e tinha gostado muito do filme, até perguntou se em Portugal era hábito aplaudirem com os pés. E fiquei logo vacinado contra isso. O ‘Aniki-bobó’ foi um desastre, o ‘Amor de Perdição’ foi outro. E todos são, ainda hoje. Nunca me incomodou. Se as críticas tocam em algo como quem toca numa ferida, dói, eu retraio-me, e procuro corrigir-me. Mas se as críticas são apenas malévolas, são um estímulo para mim, não me contrariam nada. Todos os meus filmes vão para o desconhecido, ao que se descobre por detrás do desconhecido. Aristóteles dizia que não se pode pensar sem uma imagem. A palavra é a imagem, o som é a imagem, o tacto é a imagem, o olfacto é a imagem. A imagem é fundamental. O espectador tem de ter tempo de receber e reflectir durante a projecção da imagem. Os cegos que não o são de nascença guardaram as imagens, mas os cegos de nascença que nunca tiveram acesso às imagens – como é que percepcionam? É um enigma a que não sei responder, como a outros. O Mundo está cheio de enigmas por desvendar. A memória é muito importante e sem ela nada somos. Quando se filma um acontecimento está-se a fixar um momento, uma memória. Mas quando se projecta aquela cena, já não é aquela realidade, é o fantasma dessa realidade. Separando a realidade da ficção, ficamos com uma coisa só – o fantasma. Mas relação cinema/literatura é de facto enriquecedora. O filme não pode filmar o livro, é outra linguagem. É preciso nunca confundir modelo com retratista. O livro é o modelo, o filme é o retrato. E hoje há figuras muito interessantes no ‘novo cinema português’, como o Paulo Rocha, o José Fonseca e Costa, sobretudo em ‘Cinco Dias, Cinco Noites’ onde ele sobrepõe o lado humano ao político. O João César Monteiro, nesse extraordinário e inconcebível – ‘Branca de Neve’ – a palavra é a imagem, como dizíamos. O Pedro Costa, que disse uma vez ‘o Manoel filma os ricos, eu filmo os pobres’. Mas eu não filmo nem ricos, nem pobres. O que eu pretendo filmar são almas.”
Manoel de Oliveira insiste em dizer que só cria filmes pelo gozo de os fazer, independente da reacção dos críticos. Apesar das múltiplas condecorações em festivais tais como o Festival de Cannes, Festival de Veneza, Festival de Montreal e outros bem conhecidos, leva uma vida longe das luzes da ribalta. Para os seus filmes, Oliveira tem preferência por Luís Miguel Cintra, Leonor Silveira, Diogo Dória, Rogério Samora, Miguel Guilherme, Isabel Ruth, o seu neto Ricardo Trepa e  Catarina Wallenstein.  Não são também alheias as participações de actores internacionais, como Catherine Deneuve, Marcello Mastroianni, John Malkovich, Michel Piccoli, Irene Papas, Chiara Mastroianni, Lima Duarte ou Marisa Paredes.
Aos 104 anos, dotado de uma resistência e saúde física e mental inigualáveis, é o mais velho realizador do mundo em actividade, ainda, e sempre, com planos futuros.

©Paula Martín da Silva em entrevista cedida à Gentlemen Magazine

Sem comentários:

Enviar um comentário