Manoel Cândido Pinto de Oliveira nasceu a 11 de Dezembro
de 1908, na cidade do Porto.
Ainda jovem foi para a Galiza, onde frequentou um colégio
de jesuítas. Admite ter sido sempre mau aluno. Dedicou-se ao atletismo, tendo
sido campeão nacional de salto à vara e atleta do elitista Sport Club do Porto.
Ainda antes do cinema veio o automobilismo e a vida boémia. Eram habituais as
tertúlias no Café Diana, na Póvoa do Varzim, com José Régio, Agustina
Bessa-Luís, e outros. Com vinte anos vai para a escola de actores fundada no
Porto por Rino Lupo, o cineasta italiano ali radicado, e um dos
pioneiros do cinema português de ficção. “Berlim: sinfonia de uma cidade”, documentário vanguardista de Walther Ruttmann, influenciou-o profundamente. Decide, então,
fazer um filme inspirado, uma curta-metragem sobre a faina no Rio Douro — “Douro,
Faina Fluvial” (1931). Adquiriu entretanto alguma formação técnica nos estúdios
Kodak na Alemanha e, mantendo o gosto pela representação, participou como actor no segundo filme sonoro português, “A Canção de
Lisboa” (1933), de Cottinelli Telmo, vindo a dizer, mais tarde, não se
identificar com aquele estilo cinematográfico. Só em 1942, se aventuraria na ficção
como realizador: adaptado do conto “Os Meninos Milionários”, de Rodrigues de
Freitas, “Aniki-Bobó”, um enternecedor retrato da infância no cru ambiente
neo-realista da Ribeira do Porto, um fracasso comercial, mas com o tempo seria
reconhecido como obra-prima. Talvez por isso Oliveira decidiu abandonar o
cinema, envolvendo-se nos negócios da família. Só voltaria em 1956 com “O
Pintor e a Cidade”. Sobre a sua obra, partilhamos consigo o relato na primeira
pessoa, do um dos cineastas mais respeitados no Mundo.
“Esta vontade de ser actor vem dos tempos de quase
menino. Eu via o Max Linder, o Turíbio, o Charlot… Achava graça aos cómicos e
ia para casa, depois de ver as fitas, e punha-me, antes de me deitar, diante do
espelho, a fazer as partes que eles tinham feito. No fundo, o meu desejo era
ser realizador. E já mais crescido, dizia a mim mesmo que não era capaz de
escrever algo para fazer um filme. Em todo o caso, houve uma altura em que
escrevi uma pequena história, mas não fazia confiança nela, nem havia
disponibilidades. Até que vi um documentário sobre Berlim, que me entusiasmou
muito e, de repente, deu-me a ideia que era aquilo que eu queria fazer e que
era capaz de fazer. A partir daí, fiz uma espécie de decalque do documentário
de Berlim, e fiz sobre a cidade do Porto. O António Lopes Ribeiro viu o ‘Douro,
Faina Fluvial’, achou-o interessante e forçou-me a apresentá-lo no Quinto
Congresso Internacional da Crítica. Mas as pessoas estavam habituadas a ver
grandes aparatos, e o filme apresentava cargas e descargas no Douro, gente pobre. O
Pirandello, que era um dos congressistas e tinha gostado muito do filme, até
perguntou se em Portugal era hábito aplaudirem com os pés. E fiquei logo
vacinado contra isso. O ‘Aniki-bobó’ foi um desastre, o ‘Amor de Perdição’ foi
outro. E todos são, ainda hoje. Nunca me incomodou. Se as críticas tocam em
algo como quem toca numa ferida, dói, eu retraio-me, e procuro corrigir-me. Mas
se as críticas são apenas malévolas, são um estímulo para mim, não me
contrariam nada. Todos os meus filmes vão para o desconhecido, ao que se
descobre por detrás do desconhecido. Aristóteles dizia que não se pode pensar sem uma imagem.
A palavra é a imagem, o som é a imagem, o tacto é a imagem, o olfacto é a
imagem. A imagem é fundamental. O espectador tem de ter tempo de receber e
reflectir durante a projecção da imagem. Os cegos que não o são de nascença
guardaram as imagens, mas os cegos de nascença que nunca tiveram acesso às
imagens – como é que percepcionam? É um enigma a que não sei responder, como a outros.
O Mundo está cheio de enigmas por desvendar. A memória é muito importante e sem
ela nada somos. Quando se filma um acontecimento está-se a fixar um momento,
uma memória. Mas quando se projecta aquela cena, já não é aquela realidade, é o
fantasma dessa realidade. Separando a realidade da ficção, ficamos com
uma coisa só – o fantasma. Mas relação cinema/literatura é de facto
enriquecedora. O filme não pode filmar o livro, é outra linguagem. É preciso nunca
confundir modelo com retratista. O livro é o modelo, o filme é o retrato. E
hoje há figuras muito interessantes no ‘novo cinema português’, como o Paulo
Rocha, o José Fonseca e Costa, sobretudo em ‘Cinco Dias, Cinco Noites’ onde ele
sobrepõe o lado humano ao político. O João César Monteiro, nesse extraordinário
e inconcebível – ‘Branca de Neve’ – a palavra é a imagem, como dizíamos. O
Pedro Costa, que disse uma vez ‘o Manoel filma os ricos, eu filmo os pobres’.
Mas eu não filmo nem ricos, nem pobres. O que eu pretendo filmar são almas.”
Manoel de Oliveira insiste em dizer que só cria filmes
pelo gozo de os fazer, independente da reacção dos críticos. Apesar das
múltiplas condecorações em festivais tais como o Festival de Cannes, Festival de
Veneza, Festival de Montreal e outros bem conhecidos, leva uma vida longe das luzes da ribalta. Para os seus filmes, Oliveira
tem preferência por Luís Miguel Cintra, Leonor Silveira, Diogo Dória, Rogério
Samora, Miguel Guilherme, Isabel Ruth, o seu neto Ricardo Trepa e Catarina Wallenstein. Não são também alheias as participações de actores internacionais, como Catherine Deneuve, Marcello
Mastroianni, John Malkovich, Michel Piccoli, Irene Papas, Chiara Mastroianni,
Lima Duarte ou Marisa Paredes.
Aos 104 anos, dotado de uma resistência e saúde física e
mental inigualáveis, é o mais velho realizador do mundo em actividade, ainda, e
sempre, com planos futuros.
©Paula Martín da Silva em entrevista cedida à Gentlemen Magazine
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