Seleccionado como cavalo de raça e de combate ao longo dos séculos, o Puro Sangue Lusitano é um cavalo versátil, cuja docilidade, agilidade e coragem, lhe permitem hoje competir em quase todas as modalidades do moderno desporto equestre, confrontando-se com os melhores especialistas. No limiar do ano 2000 o Puro-sangue Lusitano, volta a ser procurado como montada de desporto e de lazer, e como reprodutor pelas suas raras qualidades de carácter e antiguidade genética. A sua raridade resulta de um pequeníssimo efectivo de cerca de 2000 éguas produtoras. Em Portugal, berço da raça, estão apenas em produção cerca de 1000 éguas, no Brasil 600, em França 200, distribuindo-se as restantes pelo México, Inglaterra, Bélgica, Alemanha, Itália, Canadá e Estados Unidos da América. O efectivo da Raça Lusitana está em crescimento sobretudo na Europa e no Brasil. Entre nós, a qualidade geral da produção tem aumentado muito, e tudo leva a crer que se venham a estabelecer novas linhas dentro da Raça, contribuindo para o seu progresso e assegurando a sua vitalidade.
No século XX I, O Puro Sangue Lusitano será sempre o cavalo
por excelência para a Arte Equestre e para o Toureio, mas, para além de ser o
cavalo que dá maior prazer montar, continuará a surpreender pela sua natural
aptidão para os obstáculos, e para o Ensino e Atrelagem de Competição. A
institucionalização oficial do Stud-Book da Raça Lusitana, foi sem dúvida, um
passo decisivo, no progresso da mesma, ao condicionar a admissão de
reprodutores aos requisitos mínimos do respectivo padrão, dando origem a um
generalizado e criterioso trabalho de selecção, facultando o conhecimento
aprofundado das geneologias, permitindo perpetuar e tirar partido das linhas formadas
a partir da insistência em determinados reprodutores (emparelhamento em linha).
Aliás para um processo zootécnico eficaz e relativamente rápido há que recorrer
à selecção e à consanguinidade, sendo esta de evidente vantagem em aspectos que
interessam ao criador, nomeadamente na pureza e uniformidade da raça e na
consequente prepotência dos reprodutores obtidos.
Falámos com três prestigiadas coudelarias: Brito Paes,
D’Ornellas e Vasconcelos e Casa Cadaval.
Tiago e Vasco Brito Paes têm a responsabilidade acrescida na
gestão da coudelaria, pois têm de continuar a tradição familiar. “ Temos sempre
a preocupação de não defraudar os nossos antepassados, respeitando todo o
trabalho que foi feito. Claro que nós podemos ter outras ideias, tentamos vocacionar
a coudelaria para outro tipo de modalidades, que nessa altura não existiam. E
felizmente temos evoluído, conseguindo respeitar a tradição herdada dos nossos
antepassados”, diz Tiago, que acrescenta: “A selecção é um processo contínuo.
Obviamente a base será sempre a mesma, pois existe um passado e uma herança
genética nos cavalos. Toda esta tradição tem sido transmitida de pais para filhos.
E ao ser transmitida acresce sempre um cunho pessoal. E é este cunho pessoal, numa
perspectiva de ter cavalos mais funcionais, adaptados às novas realidades, que
nós evoluímos. O Cavalo Lusitano era um cavalo de trabalho, de passeio, e hoje é
um cavalo de desporto, de obstáculos, de toureio. É nesta parte que nós temos consciência
que podemos ir alterando e impondo as nossas ideias, delineando um novo rumo
para alcançar o cavalo que nós idealizamos”. Tiago tem a ser cargo a gestão e
marketing da coudelaria com o brasão e nome da família, já Vasco é o veterinário,
e especializou-se nesta área para assim ser uma mais-valia ao negócio de
tradição familiar. E correndo o risco de pormos “o pé em ramo verde”,
questionamos se já recorreram a inseminação artificial: “a inseminação
artificial, permite-nos andar mais depressa. O ‘garanhão’ pode estar na sua lide,
ou em feiras e concursos, e mesmo à distância que estiver, nós podemos
continuar a sua linhagem, sem estar na ‘éguáda’. Podemos ter maior número de
éguas beneficiadas por ano. Nunca existe o desgaste do cavalo, pois este pode estar
a tourear e em simultâneo estar em reprodução. Todas estas tecnologias são utilizadas
com lógica. Controlamos a inseminação ferticular, usamos sémen fresco, mas
claro tudo com muito controlo e cuidado para não alterar a genética do cavalo.”
O principal nicho de mercado da coudelaria Brito Paes é internacional, “ 80%
dos cavalos que vendemos é para o estrangeiro. Muito para o norte da Europa e
temos alguns clientes no México. Existem muito outros criadores de Cavalos
Lusitanos fora de Portugal, nomeadamente Espanha. Aliás, o que está a acontecer
é que estamos a exportar muito mais. Ou seja, quase que existem mais Cavalos
Lusitanos no estrangeiro que no nosso país.”, remata Tiago Brito Paes.
Gonçalo D’Ornellas e Vasconcellos começou, com sucesso, como
criador de retriever labrador. Até que, a convite do pai, resolveu por em
prática alguns dos conhecimentos que foi adquirindo, na direcção da coudelaria
da família. “ É uma responsabilidade bastante elevada, o meu pai a iniciou a
coudelaria em 1970. Há cerca de 8 anos o meu pai passou-me a coudelaria – ‘a
coudelaria é sua, faça o que achar melhor’ - e eu renovei tudo. Criei uma nova coudelaria,
sempre com vista a uma evolução da perfeição. Neste momento temos vários
cavalos a tourear em Portugal e Espanha, e também em vários pontos no mundo.”
Questionamos Gonçalo sobre o investimento necessário para iniciar um projecto desta
envergadura, e o retorno do mesmo. “Os cavalos, uma coudelaria não é uma
questão de rentabilidade. É uma questão de paixão, de orgulho. Embora tenha uma
postura diferente - eu quero produzir cavalos para profissionais, cavalos
vencedores. Quero mesmo atingir a perfeição. Quanto ao retorno, veja: o cavalo
está na barriga da mãe um ano, só sete anos depois está capaz de tourear. É
muito complicado. É um trabalho de sete a nove anos. É um investimento a longo
prazo.” Quanto ao uso de novas tecnologias, Gonçalo é peremptório: “ para aperfeiçoar
a raça? Sim. Recorro a inseminação artificial, estudo, falo muito com toureiros
e criadores de vários países, pois é extremamente importante ter a opinião
deles para melhor perceber as suas necessidades. Os nossos cavalos estão um
pouco por todo o mundo. Se bem que ultimamente têm ido muito para o Brasil e
Espanha. Mas o irmão de D. Isabel de Erédia tem cavalos nossos. E torna-se
muito complicado saber todo o percurso do cavalo, muitas vezes vendermos a
intermediários. Mas outros há que, obviamente continuo a acompanhar. Em
Espanha, o ‘Heroi’ é do toureiro Xavier San José e o ‘Universo’ está com o
Álvaro Montes. O ‘Ornellas’ está com o Gilberto Filipe, o ‘Europa’ está com o
Rui Salvador, os mais novos estão com os cavaleiros António Maria Brito Paes,
Rui Fernandes, Filipe Ferreira e dois com o Carlos Alves. Como vê, temos algum nome.”
– diz com orgulho – “E gosto de acompanhar de perto o percurso dos cavalos. E é
graças a esta paixão, e agradeço a todos os criadores, tanto aos mais jovens
como aos mais antigos, que com poucos meios temos conseguido levar o Cavalo
Lusitano ao mundo inteiro.”
Teresa von Schöborn representa a Casa Cadaval. “A Casa
Cadaval é muito conhecida pelos seus vinhos e cavalos. “Tive vários campeões
nas atrelagens, até campeões mundiais, e agora estou a especializar- me na
criação de cavalos castanhos. Foi uma escolha da minha mãe. Os cavalos castanhos
têm menos probabilidades de contrair o cancro de pele. E como apostamos sempre
na qualidade - pois é sempre com o objectivo que tudo o que se faça na Casa
Cadaval -, tem de ter o máximo de qualidade, seja nos cavalos ou no vinho.”
Presença forte, qual amazona num negocio que à partida é gerido por homens,
Teresa von Schöborn mostra a sua sensibilidade, no que respeita à venda dos
seus cavalos, “detesto vendê-los. Custa sempre muito a despedida. Mas é a minha
profissão e tenho de o fazer. Vê-los ir embora, a partir dos quatro ou mesmo
cinco anos... Passados esses anos, já nos afeiçoamos… é difícil vê-los partir.
E toda a minha vida vivi com cavalos e montei, se bem que agora, muito raramente,
pois estar à frente da Casa Cadaval envolve muita dedicação e tempo. Mas
antigamente cheguei a montar bastante, pois a minha mãe levava-me a montar - a
primeira vez tinha eu seis meses de idade. Portanto montei toda a minha vida.
Aliás, até participava na caça à raposa a cavalo. Uma tradição que infelizmente
se perdeu.” E finalizando, deixa uma mensagem aos novos criadores: “devem
continuar a ser exigentes, na selecção, para a produção do Cavalo Lusitano, para
que o Puro Lusitano não perca as suas características e qualidades.”
©Paula Martín da Silva
Sem comentários:
Enviar um comentário