domingo, 4 de novembro de 2012

PAIXÃO LUSITANA

Montado há já cerca de 5000 anos, o mais antigo cavalo de sela do Mundo chega ao limiar do século XXI reconquistando o esplendor de há dois mil anos, quando Gregos e Romanos o reconheceram como o melhor cavalo de sela da antiguidade . Cavalo de “sangue quente” como o Puro Sangue Inglês e o Puro Sangue Árabe, o Puro Sangue Lusitano é o produto de uma selecção de milhares de anos, o que lhe garante uma “empatia” com o cavaleiro superior a qualquer raça moderna.

Seleccionado como cavalo de raça e de combate ao longo dos séculos, o Puro Sangue Lusitano é um cavalo versátil, cuja docilidade, agilidade e coragem, lhe permitem hoje competir em quase todas as modalidades do moderno desporto equestre, confrontando-se com os melhores especialistas. No limiar do ano 2000 o Puro-sangue Lusitano, volta a ser procurado como montada de desporto e de lazer, e como reprodutor pelas suas raras qualidades de carácter e antiguidade genética. A sua raridade resulta de um pequeníssimo efectivo de cerca de 2000 éguas produtoras. Em Portugal, berço da raça, estão apenas em produção cerca de 1000 éguas, no Brasil 600, em França 200, distribuindo-se as restantes pelo México, Inglaterra, Bélgica, Alemanha, Itália, Canadá e Estados Unidos da América. O efectivo da Raça Lusitana está em crescimento sobretudo na Europa e no Brasil. Entre nós, a qualidade geral da produção tem aumentado muito, e tudo leva a crer que se venham a estabelecer novas linhas dentro da Raça, contribuindo para o seu progresso e assegurando a sua vitalidade.


No século XX I, O Puro Sangue Lusitano será sempre o cavalo por excelência para a Arte Equestre e para o Toureio, mas, para além de ser o cavalo que dá maior prazer montar, continuará a surpreender pela sua natural aptidão para os obstáculos, e para o Ensino e Atrelagem de Competição. A institucionalização oficial do Stud-Book da Raça Lusitana, foi sem dúvida, um passo decisivo, no progresso da mesma, ao condicionar a admissão de reprodutores aos requisitos mínimos do respectivo padrão, dando origem a um generalizado e criterioso trabalho de selecção, facultando o conhecimento aprofundado das geneologias, permitindo perpetuar e tirar partido das linhas formadas a partir da insistência em determinados reprodutores (emparelhamento em linha). Aliás para um processo zootécnico eficaz e relativamente rápido há que recorrer à selecção e à consanguinidade, sendo esta de evidente vantagem em aspectos que interessam ao criador, nomeadamente na pureza e uniformidade da raça e na consequente prepotência dos reprodutores obtidos.

Falámos com três prestigiadas coudelarias: Brito Paes, D’Ornellas e Vasconcelos e Casa Cadaval.


Tiago e Vasco Brito Paes têm a responsabilidade acrescida na gestão da coudelaria, pois têm de continuar a tradição familiar. “ Temos sempre a preocupação de não defraudar os nossos antepassados, respeitando todo o trabalho que foi feito. Claro que nós podemos ter outras ideias, tentamos vocacionar a coudelaria para outro tipo de modalidades, que nessa altura não existiam. E felizmente temos evoluído, conseguindo respeitar a tradição herdada dos nossos antepassados”, diz Tiago, que acrescenta: “A selecção é um processo contínuo. Obviamente a base será sempre a mesma, pois existe um passado e uma herança genética nos cavalos. Toda esta tradição tem sido transmitida de pais para filhos. E ao ser transmitida acresce sempre um cunho pessoal. E é este cunho pessoal, numa perspectiva de ter cavalos mais funcionais, adaptados às novas realidades, que nós evoluímos. O Cavalo Lusitano era um cavalo de trabalho, de passeio, e hoje é um cavalo de desporto, de obstáculos, de toureio. É nesta parte que nós temos consciência que podemos ir alterando e impondo as nossas ideias, delineando um novo rumo para alcançar o cavalo que nós idealizamos”. Tiago tem a ser cargo a gestão e marketing da coudelaria com o brasão e nome da família, já Vasco é o veterinário, e especializou-se nesta área para assim ser uma mais-valia ao negócio de tradição familiar. E correndo o risco de pormos “o pé em ramo verde”, questionamos se já recorreram a inseminação artificial: “a inseminação artificial, permite-nos andar mais depressa. O ‘garanhão’ pode estar na sua lide, ou em feiras e concursos, e mesmo à distância que estiver, nós podemos continuar a sua linhagem, sem estar na ‘éguáda’. Podemos ter maior número de éguas beneficiadas por ano. Nunca existe o desgaste do cavalo, pois este pode estar a tourear e em simultâneo estar em reprodução. Todas estas tecnologias são utilizadas com lógica. Controlamos a inseminação ferticular, usamos sémen fresco, mas claro tudo com muito controlo e cuidado para não alterar a genética do cavalo.” O principal nicho de mercado da coudelaria Brito Paes é internacional, “ 80% dos cavalos que vendemos é para o estrangeiro. Muito para o norte da Europa e temos alguns clientes no México. Existem muito outros criadores de Cavalos Lusitanos fora de Portugal, nomeadamente Espanha. Aliás, o que está a acontecer é que estamos a exportar muito mais. Ou seja, quase que existem mais Cavalos Lusitanos no estrangeiro que no nosso país.”, remata Tiago Brito Paes.

Gonçalo D’Ornellas e Vasconcellos começou, com sucesso, como criador de retriever labrador. Até que, a convite do pai, resolveu por em prática alguns dos conhecimentos que foi adquirindo, na direcção da coudelaria da família. “ É uma responsabilidade bastante elevada, o meu pai a iniciou a coudelaria em 1970. Há cerca de 8 anos o meu pai passou-me a coudelaria – ‘a coudelaria é sua, faça o que achar melhor’ - e eu renovei tudo. Criei uma nova coudelaria, sempre com vista a uma evolução da perfeição. Neste momento temos vários cavalos a tourear em Portugal e Espanha, e também em vários pontos no mundo.” Questionamos Gonçalo sobre o investimento necessário para iniciar um projecto desta envergadura, e o retorno do mesmo. “Os cavalos, uma coudelaria não é uma questão de rentabilidade. É uma questão de paixão, de orgulho. Embora tenha uma postura diferente - eu quero produzir cavalos para profissionais, cavalos vencedores. Quero mesmo atingir a perfeição. Quanto ao retorno, veja: o cavalo está na barriga da mãe um ano, só sete anos depois está capaz de tourear. É muito complicado. É um trabalho de sete a nove anos. É um investimento a longo prazo.” Quanto ao uso de novas tecnologias, Gonçalo é peremptório: “ para aperfeiçoar a raça? Sim. Recorro a inseminação artificial, estudo, falo muito com toureiros e criadores de vários países, pois é extremamente importante ter a opinião deles para melhor perceber as suas necessidades. Os nossos cavalos estão um pouco por todo o mundo. Se bem que ultimamente têm ido muito para o Brasil e Espanha. Mas o irmão de D. Isabel de Erédia tem cavalos nossos. E torna-se muito complicado saber todo o percurso do cavalo, muitas vezes vendermos a intermediários. Mas outros há que, obviamente continuo a acompanhar. Em Espanha, o ‘Heroi’ é do toureiro Xavier San José e o ‘Universo’ está com o Álvaro Montes. O ‘Ornellas’ está com o Gilberto Filipe, o ‘Europa’ está com o Rui Salvador, os mais novos estão com os cavaleiros António Maria Brito Paes, Rui Fernandes, Filipe Ferreira e dois com o Carlos Alves. Como vê, temos algum nome.” – diz com orgulho – “E gosto de acompanhar de perto o percurso dos cavalos. E é graças a esta paixão, e agradeço a todos os criadores, tanto aos mais jovens como aos mais antigos, que com poucos meios temos conseguido levar o Cavalo Lusitano ao mundo inteiro.”

Teresa von Schöborn representa a Casa Cadaval. “A Casa Cadaval é muito conhecida pelos seus vinhos e cavalos. “Tive vários campeões nas atrelagens, até campeões mundiais, e agora estou a especializar- me na criação de cavalos castanhos. Foi uma escolha da minha mãe. Os cavalos castanhos têm menos probabilidades de contrair o cancro de pele. E como apostamos sempre na qualidade - pois é sempre com o objectivo que tudo o que se faça na Casa Cadaval -, tem de ter o máximo de qualidade, seja nos cavalos ou no vinho.” Presença forte, qual amazona num negocio que à partida é gerido por homens, Teresa von Schöborn mostra a sua sensibilidade, no que respeita à venda dos seus cavalos, “detesto vendê-los. Custa sempre muito a despedida. Mas é a minha profissão e tenho de o fazer. Vê-los ir embora, a partir dos quatro ou mesmo cinco anos... Passados esses anos, já nos afeiçoamos… é difícil vê-los partir. E toda a minha vida vivi com cavalos e montei, se bem que agora, muito raramente, pois estar à frente da Casa Cadaval envolve muita dedicação e tempo. Mas antigamente cheguei a montar bastante, pois a minha mãe levava-me a montar - a primeira vez tinha eu seis meses de idade. Portanto montei toda a minha vida. Aliás, até participava na caça à raposa a cavalo. Uma tradição que infelizmente se perdeu.” E finalizando, deixa uma mensagem aos novos criadores: “devem continuar a ser exigentes, na selecção, para a produção do Cavalo Lusitano, para que o Puro Lusitano não perca as suas características e qualidades.”
©Paula Martín da Silva

Sem comentários:

Enviar um comentário